Niko Schvarz: As razões de Cuba

03/11/2010 20:07

O brilhante discurso do chanceler cubano Bruno Rodriguez na Assembléia Geral da ONU em 26 de outubro dotou de um sólido fundamento a resolução adotada pela 19ª vez consecutiva e por maiorias sempre crescentes, ao extremo de que a última teve apenas dois votos contrários (EUA e Israel) frente aos 187 que propugnaram a “Necessidade de pôr fim ao bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos da América contra Cuba”, como reza o texto da convocação.

Por Niko Schvarz*

Antes, um dado biográfico: o chanceler que expôs as razões de Cuba foi o responsável político da missão médica cubana enviada ao Paquistão quando um terremoto de grande intensidade destruiu a região nordeste do país. Ali a missão cubana foi a única que cumpriu os deveres auto-impostos de solidariedade internacional em uma região particularmente inóspita e duramente castigada.


O delegado cubano iniciou sua dissertação com um chamamento à luta por preservar a paz mundial, diante dos graves perigos que ameaçam a vida humana, tal como vem alertando sistematicamente Fidel Castro. Nesse quadro, asseverou que “a política dos Estados Unidos contra Cuba não tem sustentação ética ou legal alguma, credibilidade nem apoio”.


Assim o demonstram as votações sucessivas na ONU (o que pouco depois seria reafirmado) e os pronunciamentos dos países e agências especializadas da própria ONU. Em particular, “o rechaço da América Latina e do Caribe é enérgico e unânime. A Cúpula da Unidade, celebrada em Cancún (na Ribeira Maya) em fevereiro de 2010, o expressou resolutamente. Os líderes da região o comunicaram diretamente ao atual presidente norte-americano. O repúdio expresso ao bloqueio e à lei Helms-Burton identifica, como poucos temas, o acervo político da região”.


E do mundo. Assim o confirmam as decisões do Movimento de Países Não Alinhados, das reuniões de Cúpula Ibero-americanas, das Cúpulas da América Latina e do Caribe com a União Européia, da União Africana, do Grupo Ásia-Pacífico e de outros grupos de nações que se pronunciam a favor do direito internacional e do respeito aos princípios da Carta da ONU.


Ao mesmo tempo, como dado significativo, se acrescenta o consenso na própria sociedade norte-americana e na emigração cubana nesse país contra o bloqueio e a favor de uma mudança na política em relação a Cuba. 71% dos estadounidenses, segundo as pesquisas recentes, defendem a normalização das relações entre ambos os países, e 64% deles e similar proporção de residentes no sul da Florida se opõem à proibição de viajar a Cuba, que viola seus direitos de cidadania, assinala o chanceler.


O dano direto ocasionado ao povo cubano não se mede somente pela astronômica soma de 751 bilhões de dólares, no valor atual dessa moeda, acumulada ao longo deste quase meio século de bloqueio. Há exemplos particularmente sensíveis, como a impossibilidade para Cuba de adquirir os equipamentos para tratar o câncer de retina em crianças, ou certos medicamentos anestésicos, todos eles fabricados por empresas estadunidenses; mas tampouco se podem utilizar aparatos de firmas alemãs, como a Zeiss, porque têm elementos aportados por uma companhia norte-americana, e se lhes proíbe exportá-los à ilha. Temos lido crônicas comovedoras que revelam as angústias geradas por estas carências, e sobre como lutam os médicos e os funcionários para sobrepor-se a elas e manter a excelência de seus serviços, conhecida no mundo porque dá mostras de insuperável fraternidade com dezenas de outros povos.


Mais adiante se expressa que as condições discriminatórias para as compras de alimentos norte-americanos determinaram sua drástica redução este ano, em prejuízo de Cuba e dos agricultores dos EUA. Apesar de que foram autorizados de maneira seletiva alguns intercâmbios culturais e científicos por parte de Obama, estes continuam sujeitos a severas restrições e muitos projetos não puderam concretizar-se pela negativa de licenças e vistos; e se proíbe aos artistas cubanos receber remunerações por suas apresentações nos EUA. Recrudesceu a perseguição contra os bens e ativos cubanos e contra as transferências desde e para Cuba. As multas dos departamentos do Tesouro e Justiça contra entidades de seu país e da Europa por transações realizadas com Cuba superam este ano os 800 milhões de dólares.

A conclusão do chanceler é que os EUA não têm intenção de eliminar o bloqueio, nem sequer “os aspectos mais irracionais do conjunto de medidas coercitivas mais abrangente e prolongado que jamais se aplicou contra nenhum país”. A Assembléia Geral da ONU disse que isto deve mudar radicalmente.


*Jornalista e escritor, membro da direção da Frente Ampla do Uruguai. Publicado em La República, 29 de outubro de 2010