Horóscopo da pandemia: o capitalismo não vai morrer pelo coronavírus

16/05/2020 09:21

O que fizemos para mudar? Não há futuro possível sem crítica e autocrítica severas

Como será o mundo depois da pandemia? Todo gênero de audácias imaginativas percorrem o mundo e retornam. Uns reclamam «voltar à normalidade». Outros acalentam a ilusão de que «morto o vírus, acabou a raiva» do capitalismo. Alguns pintam com um tom mais ecologista suas elucubrações e, naturalmente, não faltam os pregadores que entendem o conjuro do mal graças a providências extraterrestres, enquanto atendem à soma dos «dízimos».

Mas também estão os think tanks (tanques de pensamento), os assessores intelectuais, os acadêmicos ou os «gurus» para toda a ocasião. Já estão desdobrando as artes do oportunismo e o cardápio completo do reformismo, para instalar os dispositivos da falsa consciência convertida em «senso comum», atualizados com estatísticas e infografias. Para eles é urgente entreter-nos com a ilusão de «um novo capitalismo» humano e progressista, redimido dos seus horrores por causa da pandemia.

Começou uma corrida doida a fim de «adivinhar» o futuro. Acenderam-se os alarmes do painel de controle ideológico dominante, porque estão vendo como se derrubam as emboscadas que o capitalismo colocou aos seres humanos. Estão alarmados e já soltaram suas matilhas de cães para sequestrar-nos o futuro (de novo) e impregná-lo novamente com mais do mesmo. Para os opressores, é igualmente importante infectar o futuro com seus «novos» — velhos — valores, do que achar a vacina contra a Covid-19. Ambos são, para eles, grandes negócios.

Estão tentando maquiar o sistema econômico dominante, suas salas de tortura trabalhista, seus refinamentos de usura bancária, suas estratégias de despojo e de privatização, em educação, saúde, moradia, cultura... estão tentando maquiar as monstruosidades da indústria bélica capitalista, seus representantes financeiros e midiáticos... mais todas as canalhices ideadas pertinazmente para humilhar a humanidade com fome e pobreza, durante séculos; cirurgia ideológica maior, apresentada como lifting menor.

Estão preparando um arsenal de paliativos, analgésicos e entretenimentos ideados para anestesiar a rebeldia, para diluir o espanto tornado público pela pandemia e para nos convencer de que nada pode ser mudado, que «a coisa é assim» e que devemos resignar-nos... que alguma migalha vai cair da mesa do capitalismo «renovado».

Os garotos intelectuais que servem a tal canalhice estão trabalhando arduamente. Já têm reservadas muitas páginas nos jornais «principais» e muitas horas na rádio-TV do circo monopólico multinacional. E nas «redes sociais», naturalmente.

Dentre os promotores do embelezamento do capitalismo estão os mesmos ideólogos antigos que contribuíram para o desastre horrendo que a humanidade está padecendo. São os mesmos sobrenomes, as mesmas universidades, as mesmas escolas financeiro-rapaces... nada de novo nessa «renovação» que tentam impor-nos para responder: qual é o futuro da humanidade depois da pandemia? Dito de outro modo; eles respondem: mais do mesmo, com algumas reforminhas. Sem perdas do lucro, é claro.

Nas próprias tripas do capitalismo está a força que o vai destruir. Não é preciso procurar essa força em outra parte. É a força que vai dar fim e vai sepultar o capitalismo, para criar uma sociedade nova. «A burguesia produz, antes que tudo, seus próprios coveiros», disse Karl Marx. Não é preciso muita ciência para vê-lo em plena ação, diariamente. Vem sendo destruído pela contradição capital-trabalho, levada até sua mais alta tensão, que é uma revolução em andamento, embora estejam gastando muito em ocultá-la. Desse antagonismo se desprende a tensão que vai elucidar, com a maior amplitude, o papel histórico e os objetivos da luta de classes do proletariado. O capitalismo não somente cria e recria as crises, inventa ilusões para anunciar que vai conseguir «a recuperação» da economia mundial e vai renovar seus cenários com estratagemas reformistas de longo prazo. Vai inocular «novas» reformas e grandes enganos para manter o capitalismo acima dos seres humanos.

Torna-se necessário, também, um movimento internacionalista de Filosofia para a transformação da realidade. Não vão ser resolvidos os problemas que a acumulação de capitais impõe à humanidade, somente com reformas fiscais, nem só com reformas no aparelho do Estado ajoelhado perante as oligarquias. Não vão ser resolvidos só com mais hospitais, nem com mais escolas, nem com mais do mesmo. É preciso reformar integralmente os conteúdos de cada instituição, embora venha enfeitado com palavreado adocicado para o gosto de certos palanques.

Deve ser interpelado, profundamente, o modo de produção e as relações de produção, a posse da terra, as «concessões» à mineração, a soberania dos mares territoriais e, em geral, o direito dos povos a desfrutar as riquezas naturais e o produto do trabalho que a elas seja impresso e que delas provier. É preciso discutir a democracia burguesa toda. Sua história, suas definições, suas legislações e as suas milhares de emboscadas ideológicas e legais. É preciso filosofar em prol da revolução humanista a sério.

Está na hora, também, de descolonizar a Filosofia. Travar a luta nas entranhas das máfias que a sequestraram para esconder a luta de classes e decorar o capital. É preciso interpelar a educação em sua totalidade e suas servidões no mercado dos saberes. É preciso interpelar o modelo de saúde e seus princípios, para emancipá-la da lógica mercantil e do individualismo messiânico. É preciso interpelar, «até doer», toda a estrutura de «valores» e «senso comum» inoculados pela rede dos «meios de comunicação», sequestrada para submeter-nos à «síndrome de Estocolmo», que nos obriga a aceitar, como se fossem nossos, os valores da classe opressora. É preciso interpelar integramente, o aparelho de justiça, o aparelho de sanções... o capitalismo integramente, incluindo-nos todos. É preciso interpelar, também, nossa crise de liderança da esquerda revolucionária e resolvê-la, para terminar com o capital. Como será o mundo depois da pandemia? O mesmo, só que com o perigo de que seja sequestrado o futuro novamente... o mesmo, só que piorando velozmente, caso não nos organizamos para transformá-lo. «Na demora assenta o perigo», diria Eloy Alfaro.

 

Fonte: Granma
https://pt.granma.cu/mundo/2020-05-14/horoscopo-da-pandemia-o-capitalismo-nao-vai-morrer-pelo-coronavirus