Fidel sem farda, um completo apaixonado pela vida
Ninguém capturou Fidel tão “desarmado”, mesmo quando em combate, quanto Alberto Korda. O fotógrafo cubano que largou seu estúdio de moda para acompanhar a revolução congelou, com suas lentes Leica, os melhores momentos do comandante e seus companheiros de luta. Em imagens já consagradas pela história, nos mostra um líder completamente apaixonado pela vida, pelas pessoas, pelo presente.
Por Mariana Serafini
Apesar de seu trabalho mais reconhecido ser a clássica foto de Che com olhar altivo, o fotógrafo barbudo de movimentos rápidos soube ver, como poucos, o coração gigante por trás da farda verde oliva de Fidel Castro. E foi sua capacidade de congelar a leveza dos momentos que o tornou o “fotógrafo pessoal do comandante”.
O marco desta história é a icônica foto de Fidel com a estátua de Abraham Lincoln. Korda conta que, depois dela, nunca mais foi chamado por Fidel na redação do jornal em que trabalhava e sim, diretamente. “Dei o nome a esta foto de ‘Davi e Golias’. A partir do dia em que a ofereci a Fidel, nunca mais ele me mandou chamar no jornal. Fazia que me contatassem diretamente. Mas não me tornei seu fotógrafo oficial. Não: eu era seu fotógrafo pessoal. Nunca tive cargo nem salário. Éramos como dois amigos. Desde então, não foi o dirigente dando ordens que procurei fotografar, mas um homem de abordagem muito fácil, muito humano, que se interessava por todos e por cada um”.
Com o triunfo da revolução, em 1959, Korda, que levava uma vida badalada entre as mulheres mais bonitas de Cuba, afinal, era o primeiro fotógrafo de moda do país, percebeu que a causa daqueles “barbudos” era justa e decidiu se unir à luta por uma Cuba livre. “Eu optara por uma vida frívola, quando por volta dos trinta anos, um acontecimento excepcional transformou minha vida: a Revolução”.
Neste caso, o marco foi a imagem de uma criança abraçada a um pedaço de madeira, porque não tinha uma boneca, que fez Korda perceber a real proposta da revolução “superar tais desigualdades”. O fotógrafo se jogou por inteiro à causa e se tornou um dos principais jornalistas do Jornal Revolución.
Pronto para acompanhar o exército revolucionário em diversas expedições, Korda voltou com Fidel muitas vezes à Sierra Maestra – palco da derrubada da ditadura de Fulgência Batista – porque o comandante gostava de visitar as pessoas e se exercitar na mata. “O gigante era um atleta completo que sempre quis ser o melhor em tudo: campeão de corrida, campeão de pingue-pongue, bom lançador de beisebol e capitão da equipe de basquete na faculdade de Direito”.
Este jeito de “ser o melhor em tudo” foi que transformou Fidel num dos maiores líderes do século 20. O jovem de 30 e poucos anos que libertou a ilha, usada como quintal pelos Estados Unidos e garantiu dignidade e soberania ao povo cubano tinha uma autoestima de dar inveja.
Depois de chegar à Sierra Maestra, em 1956 (três anos antes do triunfo da revolução) e ser imediatamente atacados pelo exército do ditador Fulgêncio Batista, os revolucionários que não foram mortos ou presos permaneceram dias escondidos na selva até se reencontrar. E o reencontro entre Fidel e Raúl mostra porque, mesmo com tão pouca estrutura, eles conseguiram derrubar a ditadura: “Quando Raul Castro se juntou ao irmão, em 18 de dezembro [1956], com cinco companheiros, Fidel perguntou: ‘quantos fuzis você tem?’. Ao saber que havia cinco fuzis disponíveis, exclamou com otimismo da determinação que o caracteriza: ‘Com os meus, temos sete. Ganhamos a guerra!’”, contou Korda.
Com o olho treinado pela moda, Korda não deixou passar as sutilezas da revolução | Foto: Alberto Korda
O comandante otimista é também um tagarela de primeira, garante o fotógrafo: “Exceto quando lê, nunca fica cinco minutos sem falar com alguém. Não sabe ficar sem fazer nada, nem permanecer sozinho. Não sou que o digo, é o seu próprio irmão, Raul”. E esta simplicidade faz com que não seja “adorado como um chefe inacessível, mas amado com uma afeição comovente”, disse a artista francesa Anne Philippe em entrevista ao Le Monde.
Korda conta que teve dimensão da grandeza de Fidel Castro quando o viu chegar em Moscou, durante uma visita oficial. “Os russos nunca tinham promovido festa semelhante para alguém, desde o retorno à Terra do primeiro cosmonauta, Yuri Gagarin”. E nem diante de outros chefes de Estado, o comandante perdia a capacidade de fazer piadas com tudo.
Durante um fim de semana na casa de campo do presidente Nikita Khrushchev, Fidel exibiu suas habilidades com uma Polaroid. O líder russo ficou maravilhado com aquele “aparelho mágico” e perguntou de onde vinha tamanha tecnologia. Com um grande sorriso no rosto, o cubano respondeu “Boston, Massachussets...”.
Fidel fotografa a família de Khrushchev com uma Polaroide | Foto: Alberto Korda
De todas as imagens que compõe o livro Cuba Por Korda, um imenso apanhado do trabalho de Korda na ilha comunista, a que mostra Fidel caído na neve enquanto brincava de esquis certamente é uma das melhores. E o fotógrafo fala sobre este episódio com graça e sinceridade comoventes. “Fidel calçou esquis pela primeira vez com Nikita, quando voltou à URSS no ano seguinte. Saiu-se muito bem, rapidamente, em outro dia, viu esquiadores sobre um rio gelado. Chamou-os e pediu-lhes para experimentar. Tudo começou bem, mas de repente, catatráz! Transformou-se numa bola de neve! Quase morreu de tanto rir. Nunca me pediu para não publicar esta foto. E pensar que certas pessoas dizem que ele não tem humor!”.
Do Portal Vermelho