Díaz-Canel: «Caso tivéssemos globalizado a solidariedade, tal como foi globalizado o mercado, a história teria sido outra

07/05/2020 18:37

Discurso proferido pelo presidente da República de Cuba, Miguel Mario Díaz-Canel Bermúdez, na Cúpula Virtual do Movimento dos Países Não-Alinhados «Unidos contra a Covid-19», no formato do Grupo de Contato, no dia 4 de maio de 2020, «Ano 62º da Revolução»

Excelências:

Estimado presidente Ilham Aliyev:

Distintos Chefes de Estado e de Governo:

Agradeço ao Azerbaijão, Presidente do Movimento dos Países Não-Alinhados, por ter convocado esta reunião, para trocar sobre os esforços urgentes e necessários que nos permitam enfrentar a Covid-19.

Aproveito a ocasião para parabenizar a Uganda, que assumirá a Presidência do Movimento, a partir do ano 2022. Ao assegurar-lhe todo o apoio de Cuba, desejamos-lhe sucessos em sua gestão.

Devo denunciar, devido à sua gravidade, o ataque terrorista com um fuzil de assalto e mais de 30 impactos de bala, sofrido por nossa embaixada em Washington, em 30 de abril passado, e reclamar do Governo dos Estados Unidos uma investigação exaustiva e rápida, sanções severas e as medidas e garantias de segurança de nossas missões diplomáticas em seu território, tal como é obrigado, pela Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas de 1961.

Excelências:

O Movimento dos Países Não-Alinhados demonstrou sua pertinência na situação atual. Isso é corroborado pelos comunicados adotados em apoio à Organização Mundial da Saúde e sobre a Covid-19, nos quais se promove a unidade global, a solidariedade e a cooperação internacional; fazem um apelo a afastar as diferenças políticas e a eliminar as medidas coercitivas unilaterais que violam o Direito Internacional e a Carta das Nações Unidas e limitam a capacidade dos Estados para enfrentar eficazmente a pandemia.

Reconhecemos o papel da Presidência azerbaijana do Movimento dos Países Não-Alinhados na materialização destas iniciativas.

A Covid-19 demonstrou ser um desafio global. Não distingue fronteiras, ideologias ou patamares de desenvolvimento. Portanto, a resposta também deve ser global e comum, superando as diferenças políticas.

Não é possível prever com exatidão a dimensão de suas consequências. O alto número de infetados e as vultosas perdas humanas mostram seu impacto devastador em um mundo cada vez mais interligado que, contudo, não foi capaz de enaltecer essa interligação de maneira solidária e hoje está pagando o preço de sua incapacidade para corrigir os graves desequilíbrios sociais. Digamo-lo com honestidade: caso tivéssemos globalizado a solidariedade, tal como foi globalizado o mercado, a história teria sido outra.

Está faltando solidariedade e cooperação. Esses são valores que não podem ser substituídos pela busca dos ganhos, motivação exclusiva daqueles que, prestando culto ao mercado, esquecem o valor da vida humana.

Quando são examinados com detalhe os acontecimentos que puseram em perigo a humanidade, nos últimos quatro meses, é indispensável mencionar os custosos erros das políticas neoliberais, que levaram à redução da gestão e das capacidades dos Estados, a excessivas privatizações e a esquecer as maiorias.

Esta pandemia veio a mostrar a fragilidade de um mundo fraturado e excludente. Nem os mais afortunados e poderosos poderiam sobreviver na ausência daqueles que com seu trabalho criam e sustentam as riquezas.

As crises múltiplas que está gerando auguram efeitos demolidores e perduráveis para a economia e para todas as esferas da sociedade.

A pandemia agrava os problemas prementes de um planeta cheio de profundas desigualdades, no qual 600 milhões de pessoas vivem na extrema pobreza e onde quase metade da população não tem acesso a serviços básicos de saúde, em cuja gestão o mercado se impõe, acima do nobre propósito de salvar vidas.

Entretanto, a despesa militar global ultrapassa os US$ 1,9 trilhão, do qual, mais de 38%, US$ 732 bilhões correspondem, no ano de 2020, aos Estados Unidos da América do Norte.

Compartilho o seguinte pensamento do Comandante-em-chefe da Revolução Cubana, Fidel Castro Ruz: «...em vez de investir tanto no desenvolvimento de armas cada vez mais sofisticadas, aqueles que têm os recursos para isso deveriam promover as pesquisas médicas e pôr ao serviço da humanidade os frutos da ciência, criando instrumentos de saúde e de vida e não de morte».

Vamos advogar, junto ao secretário-geral das Nações Unidas, pelo fim das guerras, incluídas as não-convencionais, para salvaguardar o direito à paz.

Rechaçamos as recentes e graves ameaças militares do Governo dos Estados Unidos contra a irmã República Bolivariana da Venezuela.

Reafirmamos a nossa solidariedade com o povo e com o Governo da Nicarágua, e rechaçamos as medidas que atentam contra seu direito ao bem-estar, a segurança e a paz.

As tentativas de impor novamente o passado colonial à Nossa América, declarando publicamente a vigência da Doutrina Monroe, estão na contramão da Proclamação da América Latina e o Caribe como Zona de Paz.

Neste complexo cenário, os Estados Unidos atacam o multilateralismo e desqualificam injustamente o papel das organizações internacionais, particularmente a Organização Mundial da Saúde.

Excelências:

Na 18ª Cúpula de Baku, em outubro de 2019, convocamos a fortalecer o Movimento, em face dos desafios internacionais, convictos de que só a unidade poderia salvar-nos. Cabe ao Movimento dos Países Não-Alinhados liderar as ações para a eliminação da impagável dívida externa que carregam nossos países e para o levantamento das medidas coercitivas unilaterais às que alguns de nós estamos submetidos, as que, junto aos efeitos socioeconômicos da Covid-19 ameaçam o desenvolvimento sustentável dos povos.

Devemos enfrentar o egoísmo e estar cientes de que a ajuda vinda do Norte industrializado será escassa; por isso devemos complementar-nos, partilhar o que temos, apoiar-nos mutuamente e aprender de experiências bem-sucedidas. Uma opção muito útil poderia ser retomar, futuramente, os encontros anuais dos ministros da Saúde do Movimento dos Países Não-Alinhados, no âmbito da Assembleia Mundial da Saúde.

Cuba está disposta a compartilhar suas experiências com os países do Movimento, aos quais nos unem laços históricos de amizade.

Para Cuba, o desafio tem sido descomunal. Meses antes que se espalhasse a pandemia da Covid-19, já vínhamos enfrentando um acirramento da política de bloqueio econômico, comercial e financeiro dos Estados Unidos, encaminhada a estrangular totalmente nosso comércio, o acesso aos combustíveis e as divisas.

Com enormes esforços e sacrifícios temos conseguido sustentar, nessas condições, o sistema de Saúde Pública universal, gratuito e de profissionais consagrados e de alta qualificação, reconhecidos mundialmente, apesar das campanhas grosseiras de difamação e de descrédito de poderosos adversários.

Em meio deste contexto asfixiante de guerra econômica, apareceram os primeiros sinais de alerta acerca da possibilidade de que a Covid-19 se transformasse em uma pandemia e isso elevou a magnitude dos desafios.

Imediatamente, foi elaborado um plano de medidas sustentadas em nossas forças fundamentais: um Estado organizado, responsável por zelar pela saúde dos seus cidadãos e uma sociedade com elevado grau de participação na tomada de decisões e na solução dos seus problemas.

Um desempenho de anos dedicando recursos a desenvolver e fortalecer a saúde e as ciências foi posto à prova, e a evolução da pandemia em Cuba nos últimos dois meses está demonstrando o que podem impactar as políticas de investimento social no confronto aos maiores e mais inesperados desafios.

Apesar das imensas restrições que nos impõe o prolongado bloqueio econômico, comercial e financeiro dos Estados Unidos, que convertem em um grande desafio cotidiano a manutenção do sistema de saúde pública e, particularmente, o confronto a esta pandemia, temos garantido o direito à saúde do povo cubano, com a participação da sociedade toda.

O desenvolvimento científico nos permitiu o tratamento bem-sucedido de múltiplas doenças transmissíveis, tanto no país quanto em outras nações. Nesta ocasião, a indústria farmacêutica intensificou a produção de medicamentos de testada eficácia na prevenção e confronto da Covid-19, que temos compartilhado com outros países.

Respondendo a solicitações recebidas, 25 novas brigadas de profissionais cubanos da saúde se incorporaram, no último mês, aos esforços de 23 países para combater a pandemia, acrescentando-se aos que já prestavam serviços em 59 Estados, muitos deles membros do Movimento dos Países Não-Alinhados.

Cuba não vai abandonar a sua vocação solidária, embora o Governo dos Estados Unidos, por razões políticas, continue atacando e impeça a cooperação internacional que nosso país oferece, o que coloca em risco o acesso de milhões de pessoas aos serviços de saúde.

Excelências:

É nossa responsabilidade juntar vontades e esforços para enfrentar este imenso desafio.

Vamos dar impulso à cooperação e à solidariedade internacionais. O empenho de todos será decisivo.

Vamos fazê-lo pelo direito à saúde, a paz e o desenvolvimento de nossos povos, respeitando os princípios da fundação do Movimento.

Vamos fazê-lo em prol da vida!

Muito obrigado.

 

Fonte: Granma
https://pt.granma.cu/cuba/2020-05-06/diaz-canel-caso-tivessemos-globalizado-a-solidariedade-tal-como-foi-globalizado-o-mercado-a-historia-teria-sido-outra