As constituições cubanas, desde ontem até hoje

10/08/2018 01:48

«A Constituição é o Estado em sua concreta existência política. O Estado é Constituição. Sua Constituição é sua alma, sua vida concreta e sua existência individual»

O termo Constituição deriva do vocábulo latino Constiture, que significa fundação, estabelecimento de algo, origem, fundamento; contudo é difícil gerar coincidência quanto ao seu real significado.

Ideologizado por completo não propicia harmonização de critérios, pelo contrário, induz a discussões por pertencer a um âmbito de debate e de polêmica aquecida e, por conseguinte, produz múltiplas definições que partem de diferentes posições, talvez possamos concordar com quem expressou que:

«A Constituição é o Estado em sua concreta existência política. O Estado é Constituição. Sua Constituição é sua alma, sua vida concreta e sua existência individual».

A História Constitucional necessita da constituição da história geral, porque esta é seu suporte e seu guia. O mesmo termo «história», unido ao de «constitucional», indica plenamente o sentido histórico que se deve dar ao processo e transformação das instituições políticas e das Constituições sucessivas de um povo.

Em tal sentido, não poderiam ser compreendidas muitas das situações constitucionais do passado se não nos colocássemos corretamente no palco histórico que serve de fundo a essas situações políticas e constitucionais.

Por isso, todo presente exige ser compreendido no passado que o formou, na planta que o gerou e até nos estímulos que puderam provocar as reações de sua natureza.

No referente às suas origens tem que se partir da Carta Magna de 1215, assinada entre o rei João sem-terra e os bispos e barões da Inglaterra, ao que se somou o Pettion of Right de 1628, o Habeas Corpus de 1679 e o Bill of Right de 1689.

Mas é essencial destacar o ponto de virada que gerou na história constitucional da humanidade a Constituição Mexicana de Querétaro, de 5 de fevereiro de 1917, porque perante as grandes injustiças e diferenças sociais que gerava o Estado liberal imperante naquele momento, o México vai marcar o trânsito do constitucionalismo liberal individualista ao social e vai estabelecer, com este texto, a justiça social como centro da ordem constitucional.

DIREITO CONSTITUCIONAL CUBANO

O direito constitucional cubano, paralelo ao futuro histórico da nação, pode ser enquadrado em três grandes etapas: colonial, matizada pela extensão formal à Ilha de quatro constituições espanholas, unida ao surgimento de diversos projetos constitucionais, frutos da inquietação política do nascente patriarcado cubano, entre as que se destacam a de José Agustín Caballero (1811) e Joaquín Infante (1812).

Nesta etapa se inscreve também a promulgação de quatro textos constitucionais durante a guerra de independência que tiveram vigência no território ocupado pelos mambises. Referimo-nos a Guáimaro (1869), Baraguá (1878), Jimaguayú (1895) e La Yaya (1897).

No anterior exposto estão as fontes do direito constitucional cubano e vão representar a radicalização do pensamento político. Seus documentos irão se tornar expressão do processo de formação da nação cubana, enquanto a própria guerra da qual emanam, como expressou Cintio Vitier, «é cadinho de raças e classes, verdadeira matriz da nação cubana».

Um segundo momento se enquadra na primeira metade do século 20, com a emissão das constituições liberais-burguesas, caracterizadas por serem textos em que se reflete uma soberania limitada, de submissão política e dependência econômica.

Neste período são de mencionar dois textos fundamentais: as Constituições de 1901 e 1940.

O terceiro momento compreende a etapa revolucionária socialista que chega até nossos dias. Em seu contexto se expressam a Lei Fundamental de 7 de fevereiro de 1959 e a Constituição de 24 de fevereiro de 1976. Ambos os textos, em seu momento, foram expressão do processo revolucionário e sua constante procura dos maiores níveis de justiça social para todo o povo, enquadrado em uma firme e decidida defesa da independência e soberania da pátria.

Neste rápido trânsito das etapas constitucionais da nação cubana, é necessário ressaltar as particularidades de alguns desses momentos que por sua importância e transcendência é oportuno examinar.

A Constituição de Guáimaro constitui a mãe nutrícia de um constitucionalismo cubano que transcende até nossos dias.

Os fundadores da ordem institucional constitucional em Guáimaro foram influenciados por acontecimentos internacionais que justificam, em alguma medida, seus procedimentos: a independência das Treze Colônias Inglesas na América do Norte, a Revolução Francesa e toda a riqueza teórica emanada do Iluminismo naquela época e, por último, com profundo receio ao fenômeno do caudilhismo, que se tinha apoderado das emergentes nações latino-americanas.

Esta trilogia de pensamento vai encontrar, para bem ou para mal, sem, que seja o propósito avaliar isso neste momento, um âmbito de ressonância no texto redigido por Agramonte e Zambrana.

A ADAGA TRAIÇOEIRA E UM EVENTO TRANSCENDENTE

Terminada a contenda armada em 1898, o cenário se transladou à Assembleia Constituinte de 1901; aqui é preciso significar os que puderam acessar a este conclave que teve sua sede no atual Teatro Martí.

O interventor ianque adotou medidas restritivas para garantir à sua conveniência e interesses o exercício do direito eleitoral, que só as pessoas com solvência econômica e que soubessem ler e escrever poderiam exercer; depois a maioria do povo, conformada pela massa de cidadãos negros e brancos pobres, sem que fossem levados em conta os méritos alcançados na luta pela independência do país, foram excluídos de participar deste processo constitucional.

Contudo, destaque para algumas figuras, entre os membros eleitos, que eram figuras relevantes da luta pela libertação, como Juan Gualberto Gómez, Manuel Sanguily, Salvador Cisneros Betancourt e outros.

A Emenda Platt vai ser a adaga traiçoeira que o governo ianque cravou na emergente nação, sob a ameaça de sua aceitação ou a ocupação permanente do território pelo exército interventor. Em face desta disjuntiva e coação se produziu a aprovação da Constituição de 1901.

Um golpe traiçoeiro a esta Carta Magna vai ser propiciado por Gerardo Machado y Morales quando em seu afã ditatorial de permanecer no poder arrastou o país ao processo que se chamou da prorrogação de poderes, que junto à sequela de crimes que caracterizou seu triste trânsito pela primeira magistratura da nação, foi o ponto culminante que levou ao levante revolucionário da década de 1930.

A Constituição de 1940 é o fruto da luta revolucionária que lhe antecedeu e foi um evento transcendente, não apenas no âmbito jurídico, mas também político.

Não penso que ninguém possa duvidar de que a Constituição de 1940 foi um bom texto, tanto em sua redação normativa quanto em espelhar importantes aspirações da nação, naquele momento histórico.

Contudo, há dois aspectos significativos em sua elaboração, se bem se transmitiu diretamente pela rádio para que o povo pudesse acompanhar os debates, a normativa elaborada nunca foi consultada com o povo, depois este não teve a oportunidade de estudá-la antes de sua aprovação e de emitir as opiniões e propostas que tivesse acerca do seu conteúdo, de forma a ser conhecidas e avaliadas.

Outro aspecto é que não foi submetida a referendo, também o povo esteve limitado na hora de expressar com seu voto livre, igual, direto e secreto se concordava ou não com o texto constitucional. Se bem há méritos que devem ser reconhecidos nesta Lei Suprema de 1940, do ponto de vista da participação efetiva do povo não é relevante, pelo qual não é citada como exemplo efetivo de exercício democrático, ao que se soma que os avanços socioeconômicos que consagrou não se materializaram na vida do país, porque nunca existiu a decisão por parte daqueles que tiveram o poder de realizá-lo, tornando-se finalmente, durante seus mais de 11 anos de vigência, em uma expressão daquela fórmula que para as leis da época do colonialismo espanhol se aplicava, «regem mas não são cumpridas».

O POVO NO EXERCÍCIO DO PODER

O expresso anteriormente faz com que a gente se pergunte: é mais democrático, reflete uma participação mais efetiva do povo no exercício do poder, que sejam eleitas determinadas pessoas para elaborar e aprovar uma Constituição sem ouvir ninguém mais ou, contrário a isso, denota um exercício efetivo da democracia e de um empoderamento real da nação que se coloque nas mãos desta um projeto de Constituição aprovado por seus representantes legitimamente eleitos para que opinem, proponham modificações, interesses, esclarecimentos, etc., que serão submetidos todos, sem distinção alguma, ao estudo, análise e avaliação devida da Comissão responsável por trabalhar o texto e que uma vez que se discuta e aprove mais uma vez na Assembleia Nacional, finalmente a normativa que disso surgir, seja submetida a um referendo onde cada eleitor vá às urnas e mediante seu voto expresse sua posição face à normativa?

O processo de elaboração da Constituição de 1976, tal como o que se desenvolve neste momento, teve a peculiaridade de que a partir do processo de consulta popular, genuína expressão da participação direta do povo no exercício do poder, toda a nação se torna órgão constituinte ao ter a possibilidade de estudar, propor, ou interessar explicações do projeto ao qual é submetido.

A diferença de outros países, isto não vai ser direito exclusivo de um limitado grupo de pessoas, que são chamadas a formar uma Assembleia Constituinte, a quem, apesar de sua eleição popular, apenas são permitidos desta possibilidade de opinar sobre o projeto. Nesse procedimento não se pode deixar de destacar que acessam à assembleia constituinte representando organizações e interesses políticos que, no momento da redação do texto, prevalecerão acima de qualquer interesse popular.

Com o devido respeito às formas e procedimentos que cada país estabelece neste sentido, os cubanos concebemos o nosso com clara intenção de que o povo tenha real e efetivamente um papel principal na confecção da normativa suprema.

Acho oportuno compartilhar alguns dos resultados derivados da discussão popular realizada para a aprovação da Constituição de 1976, ainda vigente.

Da consulta popular participaram 6.216.981 pessoas, que formularam 12.883 modificações, 2.343 adições, 1.022 propostas e 84 esclarecimentos.

Cuba, no exercício de sua soberania e independência, defendeu uma democracia onde as decisões coletivas são adotadas com o princípio de maioria, com a participação direta e indireta da maior parte de seus cidadãos.

Tendo presente como regra fundamental da democracia que as decisões devem ser tomadas com o máximo consenso daqueles a quem as decisões afetam; com o máximo consenso possível expresso na maioria que expresse sua identificação com o proposto.

PRINCÍPIOS

Os dois elementos essenciais que vão informar de maneira sobressalente um processo constituinte na ordem democrática são: Primeiro, que o povo detentor do poder soberano tenha a oportunidade de se expressar e ser atendido em relação ao projeto de Constituição, de maneira direta em consulta ou discussão popular e mediante seus representantes legitimamente estabelecidos; e em segundo lugar, poder ir às urnas e mediante seu voto livre, direto e secreto decidir sua aceitação em referendo convocado a tais efeitos.

É nestes princípios que se empreende o processo de reforma constitucional que desenvolvemos neste momento em nosso país.

Parte de que a Constituição da República vigente reconhece em seu artigo 137º, que é a Assembleia Nacional do Poder Popular – órgão supremo do poder do Estado, conformado por deputados eleitos mediante voto livre, direto e secreto pelo nosso povo, sob o princípio de que a soberania reside no povo, do qual dimana todo o poder do Estado e esse poder é exercido diretamente ou por meio das assembleias do poder popular e outros órgãos que deles se derivam — o único órgão com atribuições para reformar a Constituição (atribuição constituinte) e essa reforma pode ser parcial ou total.

Neste caso, atendendo ao alcance e magnitude das mudanças que serão formuladas ao texto constitucional e às Diretrizes e acordos derivados do 6º e 7º congressos do PCC, os que foram submetidos a uma ampla discussão com o povo, independentemente da filiação ou não ao Partido e que depois a Assembleia Nacional decidiu aprovar, o que necessariamente exige a necessidade da adequada inserção dos mesmos no ordenamento jurídico da nação, consequentemente a reforma constitucional que se realize será de caráter total.

Outro aspecto significativo é a fidelidade do projeto que se elabore ao socialismo e ao caráter reitor do PCC. Temos que lembrar e ter presente o plebiscito realizado pelo povo de Cuba, entre 10 e 17 de junho de 2002, com a participação de mais de nove milhões de pessoas que interessaram com suas assinaturas, modificar a Constituição da República pela Assembleia Nacional do Poder Popular e esta mediante o acordo no V-74 aprovou a Lei de Reforma Constitucional de 26 de junho de 2002, que deixou expressamente consignado o caráter irrevogável do socialismo e do sistema político, social e econômico nela consignado, bem como a proibição de negociar sob agressão, ameaça ou coação de uma potência estrangeira.

Isso explica a intangibilidade em qualquer texto constitucional futuro destes princípios, em atenção à decisão expressa do povo.

No próximo dia 21, a Assembleia Nacional do Poder Popular, único órgão do Estado com atribuição constituinte e legislativa, discutirá e decidirá sobre o anteprojeto de Constituição da República que submeta a Comissão, à qual foi encomendado este trabalho. Da mesma maneira se pronunciará sobre submeter tal texto a uma consulta popular onde todo o povo terá a oportunidade de conhecer o projeto de Constituição e realizar sugestões, propor modificações ou interessar esclarecimentos.

Todas as condições foram criadas para poder obter estas questões que serão oportunas e devidamente avaliadas pela Comissão, da qual sairá o projeto a ser avaliado pela Assembleia Nacional em seu momento. Caso ser aprovado por votação nominal de seus deputados — ou seja, cada deputado ao ser convocado por seu nome a viva voz qual vai ser seu voto — disporá submeter a Constituição que disso resulte na ratificação pelos cidadãos com direito eleitoral, em referendo convocado a tais efeitos.

Devido ao nosso compromisso com o legado histórico, com o sacrifício de tantos anos de luta por preservar nossa independência e soberania, nossa lealdade aos heróis e mártires da pátria, o dever com as gerações presentes e futuras e lembrando a prédica de José Martí, teremos mais presente do que nunca como ele nos ensinou, que o sol tem mancha, mas que os agradecidos veem sua luz e nesta batalha estaremos unidos como a prata nas raízes dos Andes e cumpriremos nosso dever cívico de lealdade perante este apelo a referendar uma Pátria revolucionária socialista, com todos e para o bem de todos.

Fonte: Granma

https://pt.granma.cu/cuba/2018-07-19/as-constituicoes-cubanas-desde-ontem-ate-hoje